segunda-feira, 30 de junho de 2014

Astrolábio

astrolábio.
era o que o professor havia escrito no quadro.
pensei cá comigo, o que significaria astrolábio.

algo com astros claro, mas teria relação com teus lábios? penso que como ainda não sei o que quero fazer da vida, faria astrolabismo, ou ciências astrolábicas.
dedicaria minha vida inteira a ciência que estuda os teus lábios e seria doutor, phd nisso, mesmo sem nunca os ter tocado. saberia definir todas as linhas da tua boca bem desenhada.
poderia falar horas sobre a maciez, que me lembra um algodão umedecido. sobre como fica escarlate quando tu passa aquele batom cuidadosamente no espelho. e como deve ficar ainda mais lindo, quando alguém te beija devassadamente. como eu queria te beijar loucamente.
passar meus dedos nas linhas de tua boca, pra sentir se aquilo é deveras real. se não estou sonhando, como muitas vezes já sonhei.
tentaria tecer mil hipóteses de o porquê quando nervosa, morde o lábio inferior com tanta força, que chega a sangrar, muitas vezes.
pensaria que tu como deusa astrolábica, ficaria impassível a qualquer tipo de mau hálito. falaria que de tão doces que são teus lábios, teriam gosto e aroma de framboesa fresca, sem mesmo não ter passado qualquer recurso labial, o famoso gloss que vocês mulheres vivem passando.
fico pensando que teus lábios jamais ficariam sequer secos no verão, pois são tantas outras bocas que te querem, que só com o pensamento de um beijo já lubrificam teus lábios.

''alguém de vocês sabe o que é astrolábio?'' permaneço-me calado. permaneço ainda sem saber o que é de fato astrolábio. permaneço sem saber bulhufas de história geral. permaneço sem teus lábios.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

No divã: Tarsila


- Oi, tudo bem, seu Otávio?

- Tudo sim, minha querida. Fica à vontade, o divã te espera.

Me sentei. Não contente, me deitei.

- Sabe, seu Otávio, eu não sei se cheguei a te falar dela...

- Da sua mãe ou da sua cachorra?

- Não, seu Otávio, não é nem a dona Liliane e nem a Lili.

- Então...?

- É dela, seu Otávio! Da Paula!

- Fale sobre ela.

- Ah, a Paula, seu Otávio... Se o senhor a conhecesse, se o senhor só a visse! A Paula é daquelas excêntricas, sabe seu Otávio? Ela sabe o que quer. O senhor acha que ela possa vir a me querer um dia, seu Otávio?

- Não conheço a Paula, minha querida, não posso responder por ela.

- Não seja por isso, seu Otávio! Vou te contar tudo sobre a Paula. A Paula tem 26 anos... Ou seria 25? Faz aniversário no outono, isso sei bem! Sabe como sei disso, seu Otávio? Foi no outono que a gente se conheceu. Tava esperando o ônibus e ela me aparece. Ah, seu Otávio, se o senhor visse! Ela até tinha tinta no cabelo!

- Ela tinha o quê, Tarsila?

- Tinha tinta no cabelo, seu Otávio! Não te falei que ela faz História da Arte? Fiquei sabendo depois que ela tinha tinta no cabelo, porque tinha acabado de pintar. Ah, seu Otávio, nunca vi alguém que pinte e conheça tão bem arte como ela! Ela é tão intensa, seu Otávio! Acho que por isso prefere Van Gogh a Gauguin. Ela é tal qual Van Gogh, vulnerável, mas intensa. Gauguin é tão arrogante, seu Otávio! A Paula que me disse, inclusive.

Seu Otávio agora não me olhava mais com aquele olhar tranquilo, como era de costume, mas com um olhar perplexo. Saberia ele sobre os negros de Gauguin, ou sobre as flores de Van Gogh, ou somente dos ensinamentos de Freud?

- Tarsila?

- Que foi, seu Otávio?

- Tu estavas falando sobre a Paula e se calou de repente.

- Ah é verdade... Então, seu Otávio, tu acha que ela possa vir a me querer?

- Desculpe, Tarsila, o horário da sua sessão já excedeu.

- Mas, seu Otávio... E a Paula?

- Ora, Tarsila, fale com a Paula!

- Ok, doutor, mais algum conselho?

- Marque a próxima sessão pra quinta feira, sim?

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Quintanar

O meu lugar em Porto Alegre, poderia ser a Tristeza, onde a minha avó morava, se ela estivesse aqui ainda, com certeza diria que esse é o meu lugar preferido em Porto Alegre, mas hoje, fazendo jus ao nome, visitar aquele bairro da zona Sul só me traz tristeza sem a presença dela.
Desde de 2009, meu lugar preferido automaticamente foi transferido para a Casa de Cultura Mario Quintana. Por vários motivos especiais.

A primeira vez que fui pra Porto Alegre (sem ser pra ir à casa da minha avó) visitei a CCMQ com o maior homem que tenho conhecimento até hoje: meu pai.

A primeira vez que ouvi uma canção de The Beatles foi na Casa de Cultura, "hello, goodbye" foi a primeira canção que a orquesta (que prestava homenagem aos The Beatles no dia) tocou e com certeza a música mais nostálgica pra mim.

A primeira vez que tomei café na Casa de Cultura foi com o maior guri que tenho conhecimento até hoje: meu amor.

Obrigada, Mario, por ser a minha fonte de inspiração quando abandono a prosa e atrevo-me a escrever poesia.

20 anos sem ti?
20 anos senti!

domingo, 6 de abril de 2014

Nós em cada lugar

Não lembro nitidamente que dia te conheci, lembro que estava muito escuro para um museu.
Ah, lembrei!
Estava mais escuro pois era de noite, e como tinha poucas pessoas eles diminuíram as luzes.
Juro que tento puxar com a maior força que meu corpo dispõe, mas não consigo lembrar que quadro eu "olhava". Entre as mais cínicas aspas. Eu olhava era mesmo para o tresloucado que falava sozinho perante ao quadro. Depois percebi que ele falava era com o quadro. Três ou quatro passos eram o que nos separava. Ele estacou. Fez-se um silêncio. Percebi que agora quem olhava era ele. E não mais para o quadro, mas para mim.

Ele abriu a boca na falha tentativa de balbuciar alguma coisa. Mas não conseguiu emitir nenhum som.

Nesse instante eu disse olhando fixamente pr'queles olhos cor de mel:

"Você não sabe, mas eu estava exatamente aqui, olhando pra você..."

 Ele se aproximou e pode parecer o auge do clichê cinematográfico: mas sim, deu choque.

 Essa é a coisa que talvez eu mais lembre com nitidez: que no primeiro toque deu choque.

Depois disso, tudo é um embaraço nebuloso na minha cabeça, não lembro quem começou a puxar assunto, ou quem riu tão alto que alguém teve que fazer "shhhh". E eis a última vez coisa que eu lembro que eu tenha dito:

"Vamos embora?"

"Vamos, mas o que a gente vai fazer?"

"Não sei, a gente pode tomar alguma coisa"

"Não, eu tô falando o que que a gente vai deixar aqui"

"Ãhn?"

"Meu pai me ensinou que a gente têm de deixar um pouco da gente em cada lugar"


E nos beijamos num rápido instante só para o segurança não nos encher o saco de novo. E até hoje, a gente deixa algo nos lugares que a gente passa.

sábado, 22 de março de 2014

Isabela

Há três anos sou arquiteta, mas ainda não construí nada.
Nem um apartamento, nem um edifício, nem uma casinha pra cachorro, nem um varanda. Nada.
Por que minha vida está assim? Talvez porque devo ter sido punida no Jogo da Vida, retrocedendo cinco casas.
Moro num apartamento duplex novo ou antigo, nunca irei saber.
Rua Santa Fé. 1187. Sétimo andar. F. De framboesa.
Meu lugar preferido é onde fica minha construção preferida, feita com meus materiais preferidos: vidro, aço, concreto.
É uma das poucas projetadas (até então) sobre a base de um módulo em forma de triângulo equilátero.
Foi inspirada, por coincidência ou não, no meu planeta preferido: Saturno.
Entro, sento, fecho os olhos e penso com toda a força do mundo: leva-me.
De preferência, para meu planeta.

sábado, 15 de março de 2014

Rodrigo

Cinquenta e poucos metros quadrados. A minha quitinete.
Rua Santa Fé. 1107. Terceiro andar. I.
Tiro fotografias de tudo, mesmo quando insistem em dizer que a beleza não está ali.
Observo no que está e não está.
Me locomovo somente de bicicleta.
Levo somente uma mochila com tudo o que julgo necessário: uma câmera Leica D-Lux 2, um Rivotril, um Amoxicilina 500, um Ibuprofeno, um óculos de sol, uma capa de chuva, um Victorinox de 12 funções, uma lanterna, pilhas, camisinha (quatro unidades), 300 pesos em trocados, um iPod 80Gb, dois filmes de Campanella, uma caderneta e uma lista de noções de primeiros socorros.
A mochila pesa 5,6 kg, 6% do meu peso.

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Fala pra ela do café e de mim

O apartamento cheirava a café, bem dizer. Era colocar o pé pra dentro que o aroma vinha, assim, sem pedir licença, sem sequer falar “gostaria de um cheirinho de café?”. Era engraçado, porque a maioria das pessoas perguntam: “quer um cafezinho?”. Lá não, ele me dizia com aquele olhar buarquíssimo: “quer um café de verdade?”. Respondia na maioria das vezes que já estava servida com aquele aroma divino, mas que aceitaria um café de verdade mais tarde. Engraçado como pode um bule inteiro derramado certa vez no carpete, diga-se de passagem, derramado por mim, continuar a cheirar por meses depois, a café. E, foi numa dessas tardes de domingo, depois da Redenção, que nós voltamos pra casa e estava na hora de um bom café com biscoitinhos de canela, foi numa dessas tardes assim que decidimos morar juntos. A partir daquele dia percebi, céus, eu estava indo morar no apartamento que cheirava a café. No meu apartamento que cheirava a café. No nosso. Terminei dizendo que buscaria umas coisas importantes pra trazer pro nosso novo cantinho e que voltaria depois. Claro, não pude me despedir sem deixar de dizer: tem certeza disso? Olha, Rodrigo, que se um dia a gente terminar, tu nunca vai esquecer de uma coisa: da guria que deixou cair o café.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Pierrot Apaixonado

Eu sei que tu pediu pra eu não escrever mais, que tu não queria mais saber dos poréns e, claro, de mim, mas é que eu fiquei com muita vontade de escrever, de lembrar dos velhos tempos, sabe? De dizer que eu sinto saudade dos dias de chuva à noitinha, de te ver dançando Noel Rosa de pijama.
Eu sei que tu não sente falta de acordar mais cedo pra cozinhar, já que eu sou um desastre na cozinha, de demorar horas pra fazer o jantar, e eu reclamar e falar que a comida tá uma merda, de sair batendo a porta dizendo que eu prefiro e vou comer o pastel do boteco, de voltar de madrugada cheirando a cerveja...
É que, meu amor... Veja só, meu bem, eu sou um pierrot apaixonado, desses que vive cantando e bebendo de bar em bar.
Acontece, colombina, é que um grande amor tem sempre um triste fim.